Impress The World: um perfil de Isaiah Johnson

Francisco Silva
8 min readJun 2, 2023

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Em dezembro de 2022, logo após o Natal, Isaiah Johnson chega a Portugal para representar a Ovarense Basquetebol. Depois de na sua rookie season, em 17/18, ter vestido as cores do Terceira Basket, a notícia do seu regresso foi recebida com alguma expectativa. Ao serviço dos insulares, alcançara a excelente média de 17 pontos por jogo, contribuindo para a boa prestação dos açorianos na Liga Placard. A convincente estreia no overseas abriu-lhe em definitivo as portas do basquetebol europeu: Espanha, Eslovénia e Luxemburgo foram os destinos que se seguiram. Apesar da experiência acumulada, um interregno forçado fazia desta nova passagem pelo nosso país uma verdadeira segunda oportunidade: “A Ovarense salvou a minha carreira”, acabaria por confessar.

O Isaiah nasceu em 1993, em Brooklyn. Com 12 anos, e depois de uma curta passagem pelo futebol norte-americano, o tio decide inscrevê-lo num torneio de basquetebol. A estreia na modalidade foi auspiciosa, e no regresso a casa não havia mãos a medir para os pequenos troféus que inauguravam a estante. A complexidade do basquetebol atraía-o, e o talento foi sendo lapidado pelo uncle Cleveland, que se aproximou do Isaiah numa fase crucial: “em Brooklyn tens de descobrir cedo o que é que queres fazer na vida, há tantas distrações.”

Um coming of age serve sempre de espelho, mas imagine-se o que é ter o nosso bairro como pano-de-fundo. Se dúvidas existissem, Above the Rim, filme de 1994 que integra a “Trilogia do Harlem”, de Barry Michael Cooper, despachou o assunto por vários anos. De Rucker Park, o seu “basketball movie” preferido salta constantemente para o ginásio da Samuel J. Tilden High School, em Brooklyn. A proximidade surtiu efeito, e, à semelhança de Kyle Watson — protagonista do filme de Jeff Pollack -, a Universidade de Georgetown era o objetivo traçado: “sabia que tinha de assegurar a minha subsistência para poder assegurar a da minha família. Queria ser advogado”. O college foi mesmo o próximo passo, ainda que mais a sul. Anos mais tarde, na Universidade de Young Harris, no norte do estado da Geórgia, Isaiah Johnson concretizava um sonho de longa data: tornar-se o primeiro da família a completar o Ensino Secundário e a obter um Curso Superior:

O college foi uma bênção. Os treinadores incentivaram-me a ganhar confiança, e foi lá que conquistei a mentalidade que hoje me carateriza. Depois do meu ano de júnior, queria jogar na NBA, na Europa. Não interessava onde: desde que tivesse uma bola e um cesto, estaria em casa.

Oito anos depois, sento-me com o Isaiah no Café Ovarense, no coração da cidade que foi a sua casa durante grande parte da época 22/23. Não passa totalmente despercebido aos grupos que se juntam à volta do dominó. Ao longo dos últimos meses, o norte-americano tornou-se uma cara familiar na grande janela da fachada, em que se acumulam cartazes do associativismo local.

À data da nossa conversa, a época dos vareiros tinha terminado há apenas três dias. Mais do que a prestação consistente em várias provas (uma final da Taça Hugo dos Santos e uma meia-final da Liga Betclic), a Ovarense alcançou o grande feito de voltar a unir a cidade e o clube. A reta final da season confirmou o reatamento, com a Arena de Ovar a carimbar sucessivos recordes de assistência a nível nacional. O carisma do Isaiah fez a sua parte, e não demorou muito para que se tornasse um verdadeiro ícone deste novo fôlego dos alvinegros:

ser mente-aberta e aceitar a cultura, tentar coisas novas. Dás uma chance às pessoas para que te conheçam. Gravitam à tua volta, querem saber mais sobre ti.

Nós não fugimos à regra.

Francisco Silva: Construir uma comunidade e um sentido de pertença no overseas não é sempre fácil. Qual é que foi a importância do grupo de jogadores norte-americanos nesse processo?

Isaiah Johnson: Não só os americanos, mas a equipa toda. Apoiamo-nos todos, independentemente da nacionalidade. Vejo-os como meus irmãos, espero que me digam quando erro e quando acerto. É preciso irmandade e compreensão, e não levar as coisas muito a peito, como em qualquer relação. Se isto acontece fora de campo, dentro de campo o jogo também flui. Comunicamos, cuidamos uns dos outros.

FS: Uma pergunta recorrente: para ti quais é que são as grandes diferenças entre o basquetebol norte-americano e o europeu?

IJ: O norte-americano é mais livre e há mais espaço. Na Europa o jogo é mais voltado para a defesa. Os treinadores talvez sejam mais completos cá. O respeito pelo jogo também é diferente. A organização das equipas técnicas, dos jogadores e dos clubes é impressionante: acho que muitas vezes isso até se reflete mais em clubes com um orçamento reduzido. Por isso é que era importante redistribuir o dinheiro, havendo essa base. Ajudar mais equipas, porque precisam. Afinal jogam todas no mesmo país.

FS: Quais é que são as tuas grandes referências no basquetebol europeu?

IJ: Imensa gente, desde o Real Madrid até à FIBA Europe Cup. Gosto muito do Mike James e do Shane Larkin, porque têm um estilo muito próprio, não dá para imitar. Há algo neles que não consegues encontrar em mais ninguém. E sinto um pouco o mesmo em relação a mim próprio, ao que dou dentro de campo.

FS: Tens algum ritual em dias de jogo?

IJ: Rezar sempre, comer massa e salada. Faço um workout de manhã, mas também é um hábito diário, nada específico. E música, a música é muito importante.

FS: Alguma história engraçada do overseas que queiras partilhar?

IJ: A maior parte das histórias anda à volta das comidas que vou experimentando. Em Espanha, deram-me a provar umas tiras de cebola frita, com um molho. Eram estranhíssimas, nem em aros estavam. Mas acabei por comer e gostei. Eu sou um homem de sobremesas. Cá em Portugal provei sobretudo doces e bolos. Gostei muito de uma bolacha de leite com chocolate dentro.

FS: Há alguma mensagem que queiras deixar a Ovar e à Ovarense?

IJ: Às pessoas: adoro-vos. Continuem a apoiar a equipa e a terra. Sem vocês não há clube. Continuem doidos por basquetebol e pelo sentido de pertença em torno do desporto. Ao clube: estou grato. Foi sempre uma organização que admirei, mesmo quando jogava pelo adversário. Acreditaram em mim quando mais ninguém acreditava.

FS: Como é que é a tua off-season?

IJ: Volto para casa e trabalho com crianças. Crianças com autismo, por exemplo, ou jovens com outros problemas. É uma paixão minha, além do desporto. Desenvolvi-a por ter sido sempre o mais velho de seis crianças. Não tinha um modelo. Quis sempre proporcionar isso a mais miúdos.

FS: Ainda tens muitos anos de basquetebol profissional pela frente. O que é que se segue e o que é que ainda esperas da modalidade?

IJ: Por agora quero ficar bem, a 100%. Tenho a ambição de jogar nas competições europeias, na Europe Cup ou na Champions League. Queria muito estar entre os melhores, num sítio bom e respeitado, em que possa beneficiar do nível de jogo. Quero melhorar, como sempre.

FS: E fora do campo?

IJ: Ser um homem de família, ser pai, ter um negócio. Poder trabalhar com crianças. Ser uma estrela fora do campo [risos].

FS: Consegues escolher uma boa memória do basquetebol?

IJ: Perdi o meu pai com 12 anos. Antes de morrer, estávamos num campo e eu marquei cinco triplos seguidos, com ele a passar-me a bola. Lembro-me do quão feliz estava por mim. É uma memória mesmo próxima do meu coração. Pensar nisso deu-me motivação para continuar a jogar.

FS: Tens uma marca de roupa. Parece ser um fenómeno mais alargado entre os jogadores no overseas. A plataforma Overseas Takeover, por exemplo, tem dado expressão a essa comunidade. Qual é que é a relevância deste movimento e como é que começaste o teu projeto?

IJ: Comecei durante a pandemia. Eu adoro roupa, vestir-me bem. Quando tens menos dinheiro, torna-se difícil. Por isso sempre quis ter a minha marca. No Instagram já era o “mr.1mpressive”, e é daí que surge a Impressive Lifestyle. À medida que vou crescendo como jogador e pessoa, a marca cresce comigo. Se com 14 anos me dissessem que ia ter a minha própria marca, não acreditava. E é isso que representa para mim: a sensação de que podes fazer tudo o que quiseres.

FS: Neste momento, o que é que dirias ao Isaiah com 14 anos?

IJ: Diria para não mudar nada, para fazer tudo da mesma forma. Se fizeres isso e continuares, vai correr tudo bem.

FS: Nova Iorque foi sempre um dos palcos de eleição do streetball. Ainda assim, nos últimos anos, têm surgido várias plataformas que procuram dar mais expressão a essas comunidades. É o caso da He Got Next, da HOOPBUS e da Sacred (Hoops Book), que têm construído perfis como o do George the Messiah ou o do Guard Da Fatboy . Para ti, que segues de perto alguns destes projetos, qual é a importância da visibilidade crescente que têm tido?

IJ: É fundamental. O basquetebol ainda é um jogo e não é preciso dinheiro para jogar. Poderes jogar sem ser profissional, sem saíres de tua casa. Todos os níveis são agora mais ou menos mediáticos, e um miúdo sem identidade pode identificar-se com quem vê. As representações dos jogadores são mais diversas, tanto a nível social como a nível racial. Se não fosse, por exemplo, pela And 1, não teríamos conseguido imaginar no que é que nos podíamos tornar. Espero que continuem porque são muito positivos.

Short Answers:

Comida e bebida favoritas: Massa com queijo e lasanha. Limonada de morango. Na Europa gosto muito de Fanta.

Um álbum: Todas as mixtapes do Lil Wayne. Quando era miúdo assentavam que nem magia. Também me identifico muito com o J Cole. Ambos viemos de sítios em que viver é difícil, mas sair deles é ainda mais.

Uma Série: Martin, e Os Power Rangers; queria ser o verde, o mais popular, e inspirar as pessoas.

Um herói: O meu tio Cleveland e a minha avó.

O Isaiah está de regresso a casa, e por esta altura inicia-se um novo ciclo. Para trás ficam seis meses em que um caminho parece ter sido definitivamente reencontrado.

O futuro, esse, promete continuar impressive.

Hey, Mr. Carter, tell me, where have you been?

Around the world and I’m back again.

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